Deu no Globo: Depois de sete décadas, Zé Katimba volta à sua terra Guarabira

O cantor e compositor Zé Katimba sairá de Niterói para voltar às suas origens. Escolhido Cidadão do Samba, pela Riotur, e Personalidade do Ano, pelo Estandarte de Ouro do GLOBO, o artista de 80 anos embarca para sua cidade natal, Guarabira, na Paraíba, na terça-feira, depois de uma ausência de 70 anos. Durante a estadia, Katimba participará de eventos com o secretário de Cultura do estado, o cantor e compositor Chico César.


Batizado José Ignácio dos Santos Filho, Zé Katimba deixou Guarabira aos 10 anos, com os pais, que fugiam da seca, e nunca mais voltou. Depois de uma viagem clandestina num navio, a família chegou ao Rio. Primeiro, morou no Largo da Batalha e, mais tarde, mudou-se para morros cariocas. Hoje o compositor vive em Icaraí.

A trajetória de Zé Katimba pode ser considerada um sucesso. Ele tem mais de 800 composições gravadas por grandes artistas e ganhou prêmios individualmente e junto à sua escola do coração, a Imperatriz Leopoldinense. Mas o artista sentia que havia algo faltando em sua vida, um pedaço de sua história que precisava ser recuperado. Por isso decidiu retornar ao lugar onde nasceu, depois de sete décadas:

— Estava querendo fazer isso há muito tempo, mas, infelizmente, não tive oportunidade. Saí de lá quando eu era muito menino. Era ainda um lugarejo, depois virou uma vila, uma cidade, e eu nunca mais voltei. Estou precisando dar uma chegada, conversar com os meus conterrâneos.

Lição de vida
Apesar de não ter qualquer parente em Guarabira, Zé Katimba está animado para se encontrar com os moradores da cidade. O artista será tratado como um personagem ilustre e receberá homenagens da Câmara Municipal e da prefeitura. E ainda terá uma agenda com o cantor Chico César. Os dois vão inaugurar um programa de rádio e, no dia 19, promoverão uma roda de samba numa praça no Centro da cidade.

— Eu não gostaria que essa viagem fosse só uma visita. Quero conversar com crianças e adolescentes e passar, humildemente, minha mensagem de vida. Quero dizer aos meus conterrâneos que não desistam nunca, que, para existir, você precisa resistir. É com esse pensamento que eu vou vivendo a minha vida e seguindo o meu caminho.

O Globo/ Cadermo Rio-Niterói
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O menino Zé se iniciou no samba quando, morando num morro carioca, batia na lata, antes de enchê-la de água pra levar pra casa. Nas peladas de futebol, virou Catimba, tal o seu estilo catimbeiro de jogar. Depois, com seus sucessos musicais, tornou-se Zé Katimba, com K. No mundo do samba, em 1959, ajudou a fundar o Grêmio Recreativo Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, em Ramos. Na vida, foi de tudo um pouco: camelô, limpador de fossa, porteiro, ajudante de pintor. No samba, também: puxador de corda, mestre-sala, dirigente, compositor. É um campeão dos carnavais.

Este ano, o samba-enredo Martim Cererê – que virou trilha sonora da novela Bandeira 2, de Dias Gomes – faz 40 anos de criação. “Foi o ano que conseguimos furar o bloqueio das quatro grandes escolas da época. Todos os anos, as quatro primeiras colocações ficavam entre Mangueira, Portela, Império e Salgueiro. Mas no Carnaval de 72, ficamos com o quarto lugar, com o enredo Martim Cererê. O samba bombou. O compacto que lançamos vendeu mais de 700 mil cópias”, lembra Zé Katimba. “Martim Cererê” Katimba fez em parceria com Gibi.

Engana-se quem pensa que Katimba, chegando aos 80 anos de idade, parou de produzir. Ele, lépido e fagueiro, está na disputa do samba da Imperatriz para o Carnaval 2013. O enredo é “Pará: Muiraquitã do Brasil”. A letra do Katimba fala que “eu serei vitorioso, um romeiro orgulhoso / no Círio de Nazaré / Vou cirandar, no Siriá, vou me acabar / quando a Imperatriz passar”.
Um detalhe importante e inusitado: Katimba é o único compositor que concorre sem parceria. Tem sambas assinados por 6, 8 às vezes até 10 parceiros. Katimba, não. Aquele samba que está empolgando os ensaios da verde, ouro, prata e branco da Leopoldina é criação de uma só pessoa: o octogenário Katimba.

Mas a vontade de rever suas origens mexe com José Inácio dos Santos. Amigos da Paraíba estão organizando junto com autoridades locais um grande evento para comemorar, em novembro, os 80 anos de Katimba em alto estilo. Quem sabe, surge mais uma obra-prima musical.

Antes disso, porém, as comemorações dos 80 começam por Niterói, cidade onde mora há mais de 30 anos. No início de outubro, será feita uma grande roda de samba em sua homenagem.
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Fernando Paulino é jornalista, autor do livro
“Zé Katimba – Que grande destino reservaram pra você”

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