''Acreditar em Deus é um sentimento. Algumas pessoas têm, outras não''



Alessandra Oggioni , especial para o iG São Paulo

Uma das passagens mais conhecidas da Bíblia, a parábola do bom samaritano descreve um episódio narrado por Jesus no Evangelho de Lucas (10: 25-37). Na história, um homem é atacado por ladrões que o espancam e o deixam, nu e quase morto, na estrada. Por ali passam primeiramente um sacerdote e um levita, homens dedicados à religião, que fingem não ver o ferido. O terceiro a vir pela estrada é um samaritano. É ele quem socorre o desconhecido, cuida dele, o leva a uma hospedaria e paga a conta. O trecho é tão famoso que “bom samaritano” virou um sinônimo de pessoas que fazem o bem.
 
''Acreditar em Deus é um sentimento. Algumas pessoas têm, outras não''
“Como uma pessoa tão boa como você não acredita em Deus?”. Esta é uma pergunta que a professora Erika Kodato, 40 anos, ouve com frequência. Ateísta, ela vai toda semana a um abrigo de menores à espera de adoção para dar não só aulas de reforço escolar, mas também carinho de mãe. “Se você é ateu, não esperam de você atitudes de solidariedade. É como se você fosse uma pessoa individualista ou materialista simplesmente porque não crê em Deus”, diz ela.

Erika é ateísta desde sempre. O avô e o pai dela também eram ateus, assim como três filhos da professora. Para ela, é muito natural não crer em uma entidade divina. Mas Erika entende que isso soa estranho em um país tão católico como o Brasil. “Até eu me pego usando expresões do tipo ‘graças a Deus’. Faz parte da nossa cultura”, conta, bem-humorada.

Embora o ateísmo já seja uma opção natural na família, ela diz que não ficaria chateada se um dos filhos decidisse seguir uma religião. “Vou achar legal, sinal que dei a eles liberdade suficiente para fazer o que quiserem. Acreditar em Deus é um sentimento. Algumas pessoas têm, outras não”.
 
  
Arquivo pessoal
Leonardo Dallacqua, à frente do grupo, em uma palestra do Instituto Zimbabuê

Um ateu em favor do candomblé 

"O caráter e a ética são o que faz você se doar ao outro, não a espera de uma recompensa divina ''

Também ateu, o historiador Leonardo Dallacqua de Carvalho, 25 anos, não vê cor, raça ou religião na hora de ajudar o próximo. Voluntário no Instituto Zimbauê, onde realiza principalmente palestras contra o preconceito racial, ele trabalha com temas relacionados à cultura negra – inclusive na defesa de religiões afro-brasileiras, como o candomblé. “O objetivo deste projeto é dar um espaço igualitário para esta religião. Meu papel, mesmo não acreditando em Deus, é buscar um espaço para que todos vivam em harmonia, onde os preceitos não sejam livros sagrados, mas a constituição brasileira”, diz.

De família cristã, Leonardo se tornou ateu por convicção. “Sempre digo que a ética e o caráter são o que faz você se doar ao outro, não a espera de uma recompensa divina. O ateu acredita apenas na bondade”, esclarece.

Curiosamente, Leonardo também chegou a dar aulas de educação religiosa na rede pública. “Eu ensinava a história das religiões de maneira igualitária e sem posições ideológicas”, diz ele que defende que este tipo de aula deve ser facultativo.
 
Foto: Edu Cesar 

Wendell da Costa Nascimento: depois de incêndio em favela, mobilização para arrecadar roupas e mantimentos
 
''As pessoas ficam impressionadas e me perguntam como um ateu pode fazer isso ''

A notícia de um incêndio na Favela do Moinho, no centro de São Paulo, em dezembro de 2011, despertou em Wendell da Costa Nascimento o desejo de ajudar os mais carentes. Na época com 18 anos, o técnico em informática se sensibilizou com a situação dos moradores após a tragédia. “Resolvi arrecadar roupas e alimentos entre os amigos e levei tudo para lá”, conta Wendell, que é ateu.

O ato voluntário que ajudou cerca de 30 famílias foi o primeiro passo para que o trabalho fosse mais regular. Meses depois, Wendell organizou mais uma ação em favela, desta vez no bairro de Itaquera, também em São Paulo, após uma enchente, em 2012, quando novamente levou roupas e mantimentos.

Para ele, o fato de não acreditar em Deus não o impede de praticar a caridade. Wendell diz que muitas vezes as pessoas veem com desconfiança o trabalho realizado, mas isso não o aborrece. “Elas ficam impressionadas e me perguntam como um ateu pode fazer isso”, relata.

Wendell enfrentou um certo desconforto na própria família ao se tornar ateu, há dois anos. Apesar de os pais não terem religião, eles sempre foram muito crentes em Deus. “Minha mãe se assustou um pouco, mas fui explicando que são minhas atitutes que mostram quem eu sou realmente”, conta. “Eu faço este trabalho porque me incomoda ver tanta desgraça, e quero fazer algo para melhorar a vida dessas pessoas, dar esperança a elas. Isso me deixa feliz”, conclui o jovem.
 
IG

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